Um breve e crítico histórico sobre a situação ocupacional do estagiário. Como foi no passado e como a legislação estabeleceu novas (velhas) regras.
Já há algum tempo, tenho pensado no problema vivido por estagiários que de alguma forma eram contratados pelas empresas sem um posicionamento correto por parte dos supervisores. Assim, não tinham grandes chances de viver as experiências necessárias para o desenvolvimento esperado conforme o conceito estabelecido para o estágio curricular.
Recentemente, vendo um filme na televisão, presenciei a cena a seguir:
Cena 1:
O presidente chega à empresa e chama todos os funcionários para uma reunião em sua sala, urgente;
Cena 2:
O diretor comunica que a funcionária fulana de tal está sendo promovida a diretora;
Cena 3:
A funcionária promovida agradece emocionada e convida a todos para uma comemoração em sua casa, à noite;
Cena 4:
Uma jovem se dirige à nova diretora e pergunta: “- Estagiário também pode ir?” Outro diretor que estava ao lado responde ironicamente: “Claro, quem vai pegar cerveja pra nós?”
(Fonte: Filme “Ponte aérea” – direção de Júlia Rezende e Paulo Eduardo – Brasil - 2015 )
Embora tratada dentro de um sentido irônico, essa cena retrata a realidade vivida por muitos estagiários antes do advento da Lei 11.788 de setembro de 2008, e não seria errado acreditar que ainda se pode encontrar estagiários vivendo tal desvio de função. Era clássica a prática de designar ao estagiário, fazer e/ou servir cafezinho aos demais funcionários, entre outras tarefas similares.
Separei alguns artigos e parágrafos que estabelecem claramente as regras básicas para a prática de estágios supervisionados nas empresas.
Art. 1º Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.
§ 1º O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando.
§ 2º O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.
Art. 2º O estágio poderá ser obrigatório ou não-obrigatório, conforme determinação das diretrizes curriculares da etapa, modalidade e área de ensino e do projeto pedagógico do curso.
Art. 5º, § 3º Os agentes de integração serão responsabilizados civilmente se indicarem estagiários para a realização de atividades não compatíveis com a programação curricular estabelecida para cada curso, assim como estagiários matriculados em cursos ou instituições para as quais não há previsão de estágio curricular.
Art. 7º São obrigações das instituições de ensino, em relação aos estágios de seus educandos:
I – celebrar termo de compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando ele for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar;
Fonte: Lei 11.788, de 25 de Setembro de 2008
Tais recortes da Lei 11.788/08, reafirmam claramente o conceito, a finalidade e o entorno do estágio curricular, como também estabelece a exigência da celebração de um contrato formal assinado pelas três instâncias envolvidas : a escola, a empresa contratante e o estagiário.
Como todos os hábitos e valores culturais, essa “proteção” ao estagiário também foi conseguida ao longo de um histórico que, tendo evoluído gradativamente no último século, propiciou a criação de instrumentos normativos e legais para quaisquer relações funcionais do empregado com a empresa, inclusive o estágio.
É curioso observar no período referido anteriormente, as “ondas” de avanço desse relacionamento.
Veja no breve “Histórico da Gestão de RH/Pessoas”:
Foi após muitos esforços e “ondas” de evolução que a Gestão de Pessoas atingiu esse status nas organizações. Dentro de todos os eventos ocorridos e dificuldades superadas, vale resgatar aqui alguns dos principais movimentos:
1 – Em 1906, Taylor institui a “Administração científica” mas seu foco era tão somente a maximização da eficiência na produção. Não havia nenhum esboço relativo à Gestão das Pessoas no processo.
2 – Em 1916, Fayol cria o conceito de “Divisão Clássica” das funções gerenciais: Planejar, Organizar, Coordenar, Comandar e Controlar. Igualmente à Científica, essa escola, denominada Clássica, nada evoluiu no sentido ”humano” propriamente dito.
3 – 1920 – Alguns estudiosos como Mayo, Follet, Dickson, McGregor e outros criam a Escola de Relações Humanas. Esse novo modelo tinha o foco das relações empregado e empregador. Enquanto a escola clássica operava à base da força e autocratismo, esse modelo propunha aumentar a produtividade pela eliminação dos conflitos e seus custos.
4 – 1945 – Alguns estudiosos, principalmente psicólogos, introduzem a abordagem do Behaviorismo (comportamentalismo). Esse movimento surgiu em face das dificuldade da escola de Relações Humanas de 1920 com críticas à crença de que a simples satisfação no trabalho poderia garantir toda eficiência.
Surgem os primeiros movimentos sobre o “cuidar de pessoas”.
Dada a importância que alcançaram tais estudos, a área de RH passa do nível operacional que ocupara para o nível tático das organizações. Isso representa um avanço do status do “Chefe de Pessoal” para o “Gerente de Pessoal”. (ainda com status operacional)
5 – 1950 – Com o contínuo avanço dos esforços de evolução da Gestão de Pessoas surgem as nomenclaturas “Gerente de Relações Humanas” e “Gerente de Recursos Humanos”. (status em nível tático)
6 – 1960 – Em função da necessidade de distinguir o papel Administrativo do papel Humano da função é criada a denominação “Gerente de Relações Industriais” Isso provoca também a ampliação das áreas funcionais, mas ainda em nível tático-operacional, ou seja em linha.
7 – 1970 – Adoção da nomenclatura “Gerente de RH”, atuando ainda em nível tático.
8 – 1985 – A área de RH passa definitivamente ao nível estratégico da organização. O cargo máximo da área passa a ser de Diretor e ocorre a introdução dos primeiros Planos Estratégicos de RH aos Planos Estratégicos da Organização.
9 – 1988 – Constituição Federal de 1988 reforçando a divulgação e prática dos “Direitos e Garantias Fundamentais”
A partir da década de 1990, o ambiente corporativo começa a passar por mudanças cada vez mais velozes e intensas, tanto no ambiente organizacional, quanto na forma com que as empresas utilizam as pessoas. O mundo dos negócios experimenta um processo de mudanças contínuas, exigindo uma dinâmica organizacional que compreenda um ambiente mutável e incerto.
10 – 2008 – 11.788 de 25 de setembro. Órgãos reguladores e controladores passam a exercer um papel mais ativo na fiscalização das relações entre empregador e estagiário, o que vai garantindo mais observância às regras e promovendo a efetiva.
Direitos e deveres tem hoje mais chances para serem observados e cumpridos. Por um lado temos a evolução nos princípios e regras do tratamento do funcionário, bem como do estagiário, por outro uma legislação que empresta maior grau de oficialidade às regras para o bom e melhor convívio nessa relação empresa e empregado.
Todo esse contexto, em realidade vem evidenciando mais do que limites e ética de entorno, mas dá maior evidência à boa prática da contratação de estagiários, dando relevo a diferenciais organizacionais como Responsabilidade social, oferta de oportunidades de inserção no mercado de trabalho a jovens iniciantes na vida profissional e aquisição de talentos e atração de novos perfis às suas carreiras profissionais estabelecidas.
Esses aspectos trazem novas luzes a esse tema no Mercado de Trabalho. Políticas de Gestão de Pessoas (ou RH) que prevejam a observância das regras do jogo dão caráter de irreversibilidade aos avanços conquistados.
Comments